quarta-feira, 11 de abril de 2012

A Paciência de Jó dos Computadores

Existe uma grande diferença entre a atividade de um pesquisador acadêmico e a de um professor ou de um pedagogo: enquanto pesquisadores buscam análises detalhadas e certezas comprovadas, pedagogos não podem esperar que isso aconteça, o que os interessa são ideias fortes e aplicações práticas.

Estamos defendendo neste texto, escrito mais pela ótica do pedagogo que pela do pesquisador, uma ideia que pode ser resumida assim: apesar de sua grande variedade, todos os softwares educativos têm uma característica comum, que é sua infinita paciência em relação aos erros das crianças.
A consequência prática é que essa é uma propriedade que pode ser explorada para melhorar processos de aprendizagem específicos e ao mesmo tempo ajudar no desenvolvimento de uma autoimagem mais confiante e positiva em nossas crianças e jovens.

Começamos com um exemplo que ilustra esse ponto de vista. A história foi contada há alguns anos por um professor que trabalhava, em Curitiba, em uma instituição de apoio psicopedagógico a alunos(as) de escolas públicas com "dificuldades de aprendizagem". Nela, ele relata o uso que fez de um software que todos nós considerávamos de péssima qualidade, pois se limitava a apresentar "continhas" com frações em um contexto graficamente muito pobre e que não tinha relação nenhuma com o conteúdo do jogo:

"Antes de usar o software ‘x’ com os alunos, eu achava este um péssimo produto, sem nenhuma criatividade, mecânico. Mas, como ele era o único jogo de computador disponível na área de Matemática, nós o experimentamos com um grupo de alunos ‘fracos’ e repetentes de 3.ª série, muito atrasados em Matemática. Os resultados me impressionaram. Isso porque, depois de muitos erros, eles foram selecionando níveis cada vez mais simples de desafios e chegaram a exercícios que até mesmo eles conseguiam resolver. Foi muito impressionante ver sua reação quando apareceu ‘½ + ½ = ?’ na tela: todos começaram a dizer, excitados, ‘1, coloca 1!’ e, quando receberam a mensagem de ‘parabéns!’, seus rostos se iluminaram. Eles adoraram a interação proporcionada pelo software, que aplaudia os acertos e não reprimia os erros. Além disso, usamos a possibilidade de cadastrar novos desafios para oferecer problemas que eles começaram a resolver (os mesmos que não queriam fazer com lápis e papel). Os resultados foram ótimos, inclusive em relação à performance na escola, principalmente porque essas crianças ganharam confiança interagindo com o software." (Relato do professor Marco Aurélio Mikosz)
 
Os alunos mencionados aqui eram considerados "péssimos" e já viviam com a sina de serem vistos assim, dentro e fora da escola. O que existe de quase absurdo nessa história é que foi somente com um software de qualidade medíocre que esses alunos viveram suas primeiras experiências escolares de "acertar". É essa experiência que parece ter sido decisiva na mudança que acabou levando, até mesmo, a grandes melhoras desses alunos em seu rendimento dentro da escola.

O exemplo ilustra uma hipótese que, mesmo que apresentada aqui de forma um pouco "crua", é fruto de bastante reflexão e algo com que muitos(as) de nós devem concordar:

A imensa maioria das dificuldades de aprendizagem não se deve a "deficiências cognitivas", mas à falta de autoconfiança de crianças e de adolescentes que se acostumaram a ouvir e a dizer "não sei", "não posso". Alunos(as) que internalizam essa visão negativa acabam nem se engajando em análises específicas, pois, diante de uma dificuldade, ficam como que paralisados(as) pela autocrítica e pela convicção de sua própria incompetência.

A escola não parece capaz, na maioria dos casos, de mudar essa situação (aliás, muito pelo contrário). Mas é preciso parar de culpar os professores por isso. Quem é ou foi professor sabe que é quase impossível para quem lida com grupos de 20 a 30 alunos concentrar seu trabalho nos alunos "mais fracos", pois é preciso dar aulas para "a média", para "a maioria" que consegue acompanhar o ritmo. "Atrasados" desde o começo, muitos alunos acabam passando seus anos de escola sendo cada vez mais marginalizados.

Devido à grande paciência dos computadores, interações com softwares educativos podem ser um novo elemento para nos ajudar a tentar mudar essa situação.

Este texto se encerra, assim, com um duplo convite: aos pesquisadores, para que deem mais atenção à natureza específica das interações criança—computador e não restrinjam suas análises apenas ao uso dos softwares mais sofisticados; e aos educadores, para que levem em conta a possibilidade de que, graças à sua "paciência de Jó", os computadores associados aos softwares educativos sejam aliados poderosos não apenas para ensinar, mas para alcançarmos um dos objetivos mais importantes e básicos da educação: ajudar cada criança a construir uma autoimagem positiva.

Um comentário:

  1. Adorei o texto, André! Principalmente porque traz um exemplo bem real que deve fazer parte da realidade de vários outros professores.
    Muitas vezes nem damos muita bola para os softwares educativos, mas o que você expôs prova que eles têm sua (grande)valia, não importando o seu nível de sofisticação.
    Bjo grande!
    Adri

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